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Com o olhar contemplativo

A humanidade precisa sempre manter o olhar contemplativo, é o que pede o Papa Francisco, inspirando necessária reflexão: a expressão “contemplativo” indica um modo específico de olhar. Há muitos olhares, que se desdobram em interpretações sobre o mundo, definindo os rumos da vida. Cada olhar define universos de compreensão sobre pessoas, grupos e segmentos, opções políticas e posturas cidadãs. Determina prioridades e influencia a configuração de cenários na sociedade. Por isso mesmo, é tão importante o olhar contemplativo que, conforme ensina o Papa Francisco, é alcançado pela sabedoria da fé. A fé configura e nutre o olhar contemplativo, emoldurando o horizonte de compreensão que permite reconhecer: todos os seres humanos fazem parte da mesma família, fundamento para se adotar o princípio da fraternidade solidária. Este olhar qualificado tem força para definir a inclusão social como prioridade, iluminado pela certeza de que os bens da terra são de destinação universal.

E a solidariedade é a direção alcançada por meio do olhar contemplativo, que leva a compreender a cidade, habitada por todos, como ambiente que deve estar sempre com as portas abertas. Uma compreensão capaz de inspirar ações que objetivem consolidar a paz e a justiça, essenciais para que o ser humano conviva harmonicamente. Quando se enxerga a cidade com um olhar contemplativo, marcado pela luz da fé, identifica-se a presença de Deus nas casas, ruas e praças. A descoberta de Deus em tudo que integra a cidade, especialmente nos seus habitantes, é fonte de incondicional respeito à dignidade de cada pessoa, corrigindo descompassos assustadores: a injustiça promovida, inclusive a partir do silêncio conivente, é um dos impulsos da violência e, consequentemente, da insegurança. Um antídoto para esse cenário é o olhar contemplativo, que permite alcançar a competência humano-espiritual para adequadamente tratar o semelhante, sem preconceitos ou discriminações, um caminho para a fraternidade e o bem-viver. O olhar qualificado pela fé permite enxergar as riquezas que habitam o semelhante, possibilitando a valorização de sua cultura, motivando gestos de acolhida, dinâmicas que levam a um mútuo enriquecimento.

Com o olhar contemplativo, a mente humana encontra caminhos para construir entendimentos a partir do diálogo, superando recursos mordazes presentes em determinados tipos de críticas que acirram disputas, levando apenas à perda de energias, ao obscurecimento de soluções. Essas críticas buscam simplesmente impor opiniões, em uma dinâmica estabelecida por pessoas que apenas enxergam os lados dos vencidos e dos vencedores. Essa visão parcial compromete, inclusive, a paz, em diferentes instâncias e situações, com prejuízos maiores para os mais frágeis e desprotegidos da sociedade. Ao invés de almejar vitórias em disputas, o olhar contemplativo inspira a sensibilidade para a inegociável consideração de todos como membros da família humana. Pode garantir a governantes a virtude de alicerçar suas decisões na busca pelo bem comum e pela justiça, alcançando competência e agilidade para efetivar políticas públicas capazes de inspirar mais acolhimento, cuidado com os pobres, migrantes e vulneráveis. Assim, o olhar contemplativo evita corrupções ou manipulações de recursos para finalidades egoístas.

Do olhar contemplativo brota uma fonte sapiencial que permite reconhecer caminhos para a paz social e que levam também à justiça solidária, traduzida e espelhada em legislações capazes de gerar mais igualdade. Conforme afirma o Papa Francisco, essa sabedoria alcançada por um olhar qualificado pode transformar as cidades em canteiros de paz, superando cenários similares a arenas onde prevalece a violência, ou a ilhas onde ficam isolados aqueles que têm muitas riquezas, distantes de quem é privado dos bens essenciais. O olhar contemplativo amplia a inteligência humana a partir de princípios

humanitários para dissipar a vergonha dos cenários de exclusão e de misérias. Permite reconhecer as dores dos sem trabalho, dos excluídos do mundo da educação, dos que passam fome, dos migrantes e refugiados. É um olhar essencial para constituir nova sociedade, marcada pela justiça. Nesse sentido, inspira o desejo de progredir e avançar nos próprios negócios sempre no horizonte do desenvolvimento integral, sensível aos anseios dos pobres, das crianças, dos jovens e dos idosos desamparados.

A fonte que alimenta o olhar contemplativo é a fé, que permite reconhecer: Deus protege e cuida dos pobres, na contramão de corações que apenas multiplicam focos de guerra, com destruições irracionais de bens e de vidas. Importante dizer que o olhar contemplativo vai além de simplesmente cultivar um coração misericordioso diante dos sofrimentos dos semelhantes. É um olhar que se desdobra em atitudes concretas voltadas à promoção de uma vivência digna para todos, contribuindo para que a casa comum seja regida por princípios civilizatórios capazes de inspirar o respeito ao meio ambiente. Busque-se este gesto simples, mas com grande poder de transformação – capaz de promover a paz interior e, ao mesmo tempo, qualificar ações de impacto social: a partir da iluminação que vem da fé, cultivar o olhar contemplativo.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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