
Há poucos dias morreu alguém que a grande mídia, a TV aberta, celebrou como grande poeta que, cantando a beleza do tempo, do mero cronos, terá desprezado o tempo repleto de graça, o Kairós. Ele alegrava-se com o que é terreno e se esquecia de nossa dimensão espiritual, da nossa sede do Eterno, da Vida plena. Negava o clamor profundo de nosso coração: “altiora semper petens.”
Não estou a negar um certo encanto e beleza de seus versos, mas lamento o fato de ter abraçado com ânsia o NADA que, por ser nada, logicamente nenhuma beleza possui.
Deixo de lado esse senhor, mas por professar a fé na plenitude da vida e de amor, importo-me em enlaçar a vida eterna com toda força de meu ser e, por ter a certeza da fé na misericórdia de Deus, docemente quero depô-lo nos braços maternos de Maria Santíssima.
Não vou “glamourizar”, como tantos meios midiáticos fazem, a chamada “morte assistida” – o próximo cavalo de batalha na nossa legislação nacional – a infeliz opção desse senhor para quem invoco a misericórdia do Senhor da vida.
Quero sim aproveitar para pedir aos irmãos e amigos, desde já, a devida morte assistida para mim e para todos os homens e mulheres de fé no Ressuscitado. No aproximar da minha morte, desejo todos os recursos de misericórdia disponibilizados por Jesus e administrados pela minha mãe, a Igreja. Há anos que, por vezes, peço a graça de uma boa morte para “partir deste mundo sem mancha de pecado e repousar com alegria no seio de Vossa misericórdia (Missal Romano).
Portanto, no limiar de minha vida terrena, faço questão de, se estiver consciente, receber a absolvição de meus pecados e, se ainda puder chorar todos eles e desde já, peço o grande o dom das lágrimas. Ao padre imploro o sacramento da unção dos enfermos. Não devo receber o óleo na palma da mão, pois esta já foi ungida. Irei recebê-la um dorso da mão Traga-me à boca o corpo do Senhor que tantas vezes consagrei ao dizer:” isto é o meu corpo”. E ainda, se o padre cair no esquecimento, devo lembrá-lo da indulgência plenária para que os méritos de Cristo e toda Santa Igreja se juntem a minha alma, para torná-la pura no encontro com os grandes amores da minha vida: A Trindade Santa, a Virgem Maria e São José, meus pais, minha irmã e padrinhos.
Desejo participar, logo após a morte, do banquete eterno que a misericórdia de Deus pode me proporcionar.
Aos amigos e amigas, peço por favor, a santa caridade, de me assistirem com suas preciosas preces. Enfim, desejo uma morte assistida, iluminada pela fé recebida no batismo, dinamizada pela esperança de encontrar na eternidade a plenitude do amor.
Lembro-me sempre, quando ainda iniciava o ministério presbiteral, de um médico muito respeitado na primeira paróquia que servi. Ele, após atender os doentes às portas da morte, dizia-lhes: “Fiz a minha parte, agora queira chamar o padre”. E se alguém lhe advertisse: “Isso vai assustar o doente”, sua resposta era rápida e certeira: “Prefiro uma pessoa entrar assustada no céu, que muito tranquila ir parar no inferno”.
Lembremo-nos do que Jesus, Caminho, Verdade e Vida, afirmou: “Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder sua alma?” (Mc 8,36). Esta passagem do Evangelho, segundo ouvi na catequese, levou à conversão de São Francisco Xavier. Eram tempos em que mediante a razão, seguindo a mais sã Filosofia e a Sagrada Teologia, se afirmava que somos bem mais que um corpo vivo.
Infelizmente, esses eram outros tempos!
Dom Paulo Francisco Machado
Bispo de Uberlândia