Os cidadãos e, especialmente, os cristãos devem olhar a realidade sociopolítica para buscar formas de torná-la mais justa e solidária. Não se pode correr os riscos da acomodação ou do conformismo, nem se deixar aprisionar com uma leitura da realidade estreitada por perspectiva política – considerando suficiente apenas o que pensam ou fazem seus correligionários. Os cristãos, principalmente, são chamados a contribuir efetivamente com a política, lembrando que existe um amálgama entre a cidadania civil e a condição humana de cidadão do Reino de Deus. Isto significa compreender o que a Igreja classicamente ensina: aqui é morada passageira, sem “cidade permanente”, pois todos estão a caminho daquela realidade que está por vir. A iluminação para alcançar esse entendimento é abundante neste tempo pascal, possibilitando, a cada pessoa que crê em Jesus, reconhecer que a Igreja tem missão importante e indispensável na sociedade, em diálogo e cooperação com outros segmentos e instituições: defender a vida, manifestada em cada ser humano e no conjunto da Criação.
Na busca pela defesa e promoção da vida, o diálogo é instrumento indispensável, com propriedades que permitem evitar as rupturas nos processos de reconstrução do que é essencial à sociedade. Não podem ser esquecidos os danos que as polarizações e os falatórios inconsequentes causaram ao atual momento da história, tão marcado por complexidades que exigem novas posturas, compreensões e atitudes. As lições do passado recente devem inspirar a promoção de diálogos e de entendimentos essenciais à consolidação de avanços e conquistas. No entanto, percebe-se que há descompassos na dimensão relacional que rege a vida em sociedade quando há necessidade de instar poderes da República a viver o que reza a Constituição Federal. O cumprimento do que está inscrito na Constituição é dever irrenunciável que não pode ser desconsiderado por populismos, nem manipulado por meio do uso de jargões. Ao invés disso, pede-se mais clarividência na definição de prioridades, para que sejam desenvolvidos projetos e ações capazes de mudar cenários, ajudando a superar, especialmente, a vergonhosa desigualdade social.
O diálogo é caminho para superar o ódio e a lógica simplista, perversa, que separa o mundo entre vencidos e vencedores. Para promovê-lo, líderes devem superar lógicas e critérios embalados nos leitos de seus subjetivismos. São as lógicas e os critérios nascidos de subjetivismos que levam a diferentes guerras, com irracionais consequências, a exemplo dos gastos com a disputa armamentista. Ainda sobre este tempo de tantos conflitos, a sociedade brasileira não pode se considerar satisfeita, acreditar que vive um momento de harmonia, pois ainda convive com polarizações, com as ameaças do narcotráfico, das milícias e de tantas outras manifestações da violência. As instâncias e instituições governamentais, as instituições civis e religiosas da sociedade brasileira devem avançar no desenvolvimento de reflexões e debates, aproveitando que há, no atual contexto, certa propensão aos diálogos. E o diálogo deve ser um compromisso que não pode ser limitado à simples promoção daquelas visitas de cortesia, que sempre terminam com “tapinhas nas costas”. Devem ser buscadas, efetivamente, conquistas urgentes para o tecido social, especialmente as destinadas a ajudar os mais pobres.
Olhar a realidade exige uma indispensável atitude crítica, distante de uma consideração acomodada, ou que contemple simplesmente os próprios interesses. Pede também uma rejeição a justificativas convenientes para a adoção de procedimentos que são inadequados ou insuficientes. Ao contrário disso, o momento atual pede uma atitude profética capaz de interpelar, dentre outros líderes, aqueles que são mais diretamente responsáveis pelos extremos climáticos que ameaçam a vida no planeta. E não bastam
alguns poucos avanços, apresentados a partir de números, mas sem alcance suficiente para serem traduzidos de modo qualitativo. É preciso confrontar a ganância que pesa, principalmente, sobre os ombros dos mais pobres. Para isso, o desrespeito aos vulneráveis deve provocar um incômodo generalizado, inspirando, principalmente, questionamentos dirigidos a quem está no exercício de mandatos, no desempenho de funções públicas. Sejam, pois, aproveitadas as oportunidades para dialogar com os representantes do povo nas diferentes instâncias dos poderes, uma efetiva vivência da democracia em defesa de causas prioritárias – contemplando a promoção dos direitos das populações indígenas, a proteção da Amazônia e de tantos outros biomas, dentre outras questões candentes da ordem social.
No reconhecimento de prioridades, a partir do olhar dirigido à realidade, é que se pode viver uma adequada campanha eleitoral, fazendo valer a “política melhor”, bem definida pelo Papa Francisco na Carta Encíclica Fratelli Tutti. Torna-se cada vez mais necessário encontrar novos modelos de ação política, bem diferentes do que se verifica no atual quadro partidário, bastante “viciado”. Modelos caracterizados pela coragem de questionar situações cristalizadas que perpetuam injustiças. E as comunidades cristãs têm especial responsabilidade na tarefa de efetivar esses novos modelos, promovendo a cultura do encontro, que ajuda a sociedade a tornar-se mais justa e fraterna. Olhar a realidade não pode ser exercício que leve a uma simples constatação, nem somente a indicações insossas. Ao olhar para a realidade, é preciso posicionar-se a partir da força da Palavra de Deus, que exige pactos efetivos pela vida, capazes de desacomodar o coração humano diante de situações de injustiça, inspirando mudanças necessárias, a partir de muito trabalho e adequadas atitudes.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte