“Por que reparas no cisco no olho do teu irmão e a trave no próprio olho não percebes?” A interrogação interpelante de Jesus, em uma das cenas do Sermão da Montanha, narrativa do Evangelista Mateus, contribui para qualificar o relacionamento entre cidadãos. O Mestre conhece a largueza do coração dos seus discípulos pela medição magistral que pode fazer. Jesus reconhece nas reações e posturas daqueles que O seguem as estreitezas configuradas pela soberba, pelo orgulho e pelo enrijecimento. A soberba, o orgulho e o enrijecimento alimentam a convicção de que o próprio juízo é o melhor e quem nele não se enquadrar não serve, matando a possibilidade do reconhecimento das riquezas nascidas das diferenças. A interrogação apresentada por Jesus contribui, pois, para que o ser humano saiba adequadamente se relacionar, administrando divergências, com respeito a princípios e valores inegociáveis.
Jesus treina seus discípulos para que possam desenvolver a competência espiritual de produzir juízos capazes de alavancar o desenvolvimento humano integral, assumindo as responsabilidades e as consequências de posturas e de escolhas. A configuração metafórica na articulação das imagens do “cisco” e da “trave” remete o ser humano à condição indispensável da humildade. Trata-se de meta a ser alcançada, particularmente, pela soberana prática da escuta. Isto significa demover as montanhas de orgulhos que alicerçam preconceitos e discriminações. Os contaminados por preconceitos e discriminações são incapazes de respeitar a dignidade do ser humano. Agir com deferência não pode ser simplesmente uma formalidade vivenciada no encontro entre as pessoas. Trata-se de verdadeiramente respeitar a dignidade humana nos relacionamentos que integram a vida em sociedade.
O Mestre considera hipócrita aqueles que não tiram a trave do seu próprio olho e se arvoram em tirar o cisco do olho alheio. São pessoas incapazes de adotar um indispensável critério – alicerçado na superação de preconceitos, da soberba de achar-se dono da verdade. Trata-se de investir no que constrói entendimentos, promove avanços humanitários e relacionais, corrigindo descompassos, superando autoritarismos e imposições que buscam destruir aqueles com quem são estabelecidas divergências. Cada pessoa, o tempo todo, deve se autoavaliar, observando seus próprios juízos, para, assim, não se tornar alguém que impõe ideias. É preciso ser vigilante também para não fazer escolhas políticas e econômicas prepotentes, que ferem a ética, essencial à convivência humana.
Jesus faz importante recomendação: “Tira primeiro a trave do teu próprio olho, então enxergarás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão!” Acolher a orientação do Mestre e, assim, buscar a superação das próprias estreitezas, antes de julgar o semelhante, possibilita a qualificação do ser humano. Contribui para a consolidação de uma linguagem cuja gramática é capaz de promover a reconciliação na família humana. Aponta-se, pois, a essencialidade de colocar diante de si a meta de ser especialista em relacionamento, pela competência de ajudar a formar ambientes de entendimento, favoráveis à promoção do bem comum. Na construção da sociedade, não basta o conhecimento técnico, pois nada substitui a competência de promover relações saudáveis, uma autêntica arte. O relacionamento qualificado é aquele que contribui para fazer a sociedade avançar na direção da verdade. O ponto de partida para promovê-lo é cultivar a autoconsciência, tarefa humana e espiritual que pode conduzir cada pessoa a um desempenho adequado à construção de uma sociedade justa e solidária.
A exigência de se cultivar a autoconsciência remete o ser humano a se fazer interrogações determinantes: “Quem sou eu? De onde venho e para onde vou?” As respostas a essas interrogações são impulsos fundamentais, permitindo corrigir descompassos. Importante sublinhar: Jesus, na sua maestria, adverte seus discípulos com o objetivo de prepará-los para que sejam capazes de enxergar a realidade com mais clareza. Assim, conseguir dar uma orientação mais adequada para suas atitudes, investindo na reciprocidade: o relacionamento é a construção daquela reciprocidade que não permite ao indivíduo encastelar-se em si mesmo, pois esse aprisionamento o condena a sempre interpretar a realidade segundo, unicamente, os seus próprios parâmetros e critérios. Tirar a trave do próprio olho para tornar-se capaz de tirar o cisco do olho do outro é a metáfora da dinâmica da reciprocidade, único caminho dialogal e de escuta para construir uma saudável convivência entre seres humanos. A orientação de Jesus é o itinerário para a comunhão, essencial à fé cristã e à vida em sociedade.