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Artífice de amizades

O cristão sabe que na vivência autêntica da sua fé inscreve-se o compromisso de ser artífice de amizades com força para alavancar a fraternidade universal. Alia-se aos que se vinculam a outras confissões religiosas humanistas para, cotidianamente, labutar, em cada gesto e palavra, por uma frutuosa semeadura do amor, no horizonte largo e luminoso do ministério de seu Senhor e Redentor. Jesus Cristo inspira mudança profunda no coração humano a partir do princípio de que ninguém tem amor maior do que Aquele que dá a sua vida em resgate da humanidade, efundindo o seu sangue redentor do alto da cruz. A cruz, instrumento de suplício e condenação, torna-se altar da perene e duradoura redenção. Em Cristo Jesus se engenhou, com a arquitetura de gestos nobres e oblativos, a modelagem intocável da amizade. Assim, os seguidores de Cristo têm o compromisso de viver e testemunhar o amor maior – é vocação e missão, tarefa e dom, ser artífice de amizades, pela convicção sapiencial bíblica de que um amigo encontrado é um tesouro achado, como preciosidade inigualável.

Ilumina o propósito de ser artífice de amizades a singularidade do amor do Mestre por seus discípulos ao dizer-lhes, no momento precedente à sua paixão e morte: já não vos chamo servos, mas amigos. Os discípulos ficaram desafiados a compreender que sua tarefa missionária inclui a constituição de amplas “rodas de amigos”. Nesse contexto, “rodas de amigos” ultrapassa o reduzido sentido de “clube”, de grupos que buscam partilhar afinidades, pensamentos, reflexões. A missão do discípulo é compor “rodas de amigos” para a vivência da fraternidade universal, derrubando barreiras e curando, com o remédio do amor, as feridas do preconceito e da discriminação. Para que vivam bem essa missão, o Mestre ensina a seus seguidores a força do perdão – motor de transformações e reconciliações, que dissipa sentimentos motivadores de retaliações, vinganças e de qualquer inimizade.

O exercício espiritual e humanístico de ser artífice de amizades inclui sempre querer o bem do semelhante, reconhecendo que o outro é irmão e irmã. Desse modo se alcança a grandeza de alma que alavanca palavras capazes de curar, a intuição que resolve problemas e a sabedoria para entrelaçar corações, superando as inimizades que provocam perdas irreparáveis. A grandeza própria dos artífices de amizades repercute em atuações profissionais, desempenhos cidadãos e religiosos, na participação em projetos diversos. É o alicerce da fraternidade universal que torna possível reconfigurar, até mesmo, o campo político. Para além da perspectiva ideológica do mundo da política, é primordial reconhecer que cada pessoa, sem exceção, é irmão ou irmã, buscando sempre a integração de todos. Ensina o Papa Francisco, na Carta Encíclica Fratelli Tutti, que um indivíduo pode ajudar uma pessoa necessitada, mas quando se une a outros para gerar processos sociais de fraternidade e justiça para todos, entra no campo da caridade mais ampla, da caridade política. E ao avançar na caridade política, pode efetivar uma ordem sociopolítica cuja alma seja a caridade social.

É indispensável cultivar grandeza da alma para conseguir viver a caridade política, ultrapassando os limites das próprias afinidades e construir relações de alcance transformador nos âmbitos sociais, econômicos e políticos. Sem a necessária envergadura humana, afetiva e espiritual para se viver a caridade política, a miopia dos entendimentos presidirá processos e inevitável será o atraso nas soluções de problemas. O artífice de amizade elege o amor social como prioridade e vetor determinante de sua ação, tornando-a ampla e eficaz. Jesus, na sua maestria, deixa aos discípulos a preciosa indicação do amor social, quando purifica no coração de seus seguidores o entendimento sobre a oferta de

sua vida. Incontestável, ensina também o Papa Francisco, que o amor social é uma força capaz de suscitar novos caminhos no enfrentamento dos problemas contemporâneos, com incidências na transformação de estruturas, organizações sociais e ordenamentos jurídicos.

O amor social, para além de sentimentalismos, sublinha a necessidade de serem reconhecidas responsabilidades morais na busca pelo bem do semelhante, inspirando mudanças. Essas responsabilidades incluem o compromisso com o que é verdadeiro. A caridade precisa da luz da verdade, sem relativismos. Importa buscar o bem de todos, especialmente dos pobres e sofredores. Fazer-se artífice de amizade social é também fecundar corações e mentes com o amor político, enobrecendo a atividade política para torná-la caminho de grandes transformações na sociedade. Valha o convite e sua aceitação de atuar no mundo como artífice de amizade social, alavancando um novo tempo de fraternidade universal.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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