
Quando saímos da Igreja, marcados pelo sinal das cinzas em nossas cabeças, assumimos, como católicos, o compromisso de guardar o jejum e a abstinência prescritos por esta. Uma vez batizados, seja o bispo, seja o monge, o padre, o diácono, catequista, consagrado(a), leigo ou leiga, temos por vocação a santidade. A Igreja, através dos tempos litúrgicos, ajuda-nos na realização dessa meta de nossa vida espiritual. A imposição das cinzas conduz-nos a um empenho pessoal e comunitário-eclesial para acolher as generosas graças que à larga o Pai deseja nos oferecer.
O jejum e a abstinência, segundo o mundo, podem ter várias motivações. Um motivo, é de ordem estética, em que a pessoa, no desejo de evitar as terríveis adiposidades corporais, se submete a inúmeras restrições alimentares. Importa ter um corpo bonito. Outro motivo é o médico-sanitário. Este é expressão de um necessário cuidado com o bem-estar, com a própria saúde, daí abster-se de gorduras, doces, refrigerantes, bebidas alcoólicas etc. Já o motivo religioso-espiritual podemos verificar a partir dos prefácios do Tempo Quaresmal, que, agora vamos visitar.
Prefácio da Quaresma II – “Pois estabelecestes este tempo privilegiado de salvação para que vossos filhos e filhas, livres dos afetos desordenados, recuperem a pureza de coração e, usando as coisas que passam, dediquem-se mais às que não passam”.
Prefácio da Quaresma III – “Vós quisestes que vos rendêssemos graças por meio da abstinência, para que, por ela, nós pecadores moderemos nossos instintos e, partilhando o alimento com os necessitados, sejamos imitadores da vossa bondade”.
Prefácio IV- “Pelo jejum quaresmal corrigis nossos vícios, elevais nosso espírito, e nos dais força e recompensa, por Cristo, Senhor nosso”.
Talvez tivéssemos que recuperar o bom hábito da mesa comum. Reaprender a almoçar e jantar em família. Penso que o simples fato de nos assentarmos à mesa, já faz diferença. A mesa nos humaniza, ordena nossos instintos. Já é conhecida a definição de homem: “animal racional”. Ora, esta racionalidade é também expressão de nossa dimensão espiritual, toca todo o nosso jeito de ser, de se comportar, de viver, de conviver.
Há muito tempo, li um livro de um médico que se especializou nos cuidados com os encarcerados e, portanto, muito se interessava pelo tema da criminalidade. Ele nos conta que, consultando o mapa da criminalidade em Londres, percebeu que aqueles bairros que preservavam a tradição familiar de tomar as refeições à mesa, tinham menor incidência de crimes. Por isso, repito: a mesa comum humaniza. Em tempos de grande deficiência de diálogo, a mesa comum é, sem dúvida, um lugar privilegiado para exercitar o ouvir e falar, marca de nossa humanidade: o admirável poder de comunicar. Somos humanos porque falamos e, somos palavra. Até mesmo, grandes filósofos ensinavam em banquetes por meio de diálogos. Jesus, o Divino Mestre, na mesa do altar se entrega a nós como Alimento da eternidade. Nosso Senhor é Pão Palavra e Pão Alimento divino/divinizador.
No ano jubilar, como “Peregrinos de Esperança”, e em preparação para a Santa Celebração Pascal, quero encerrar com o prefácio V da quaresma: “Vós reabris para a Igreja, durante esta quaresma, a estrada do êxodo, para que ela, aos pés da montanha sagrada, humildemente tome consciência de sua vocação de povo da Aliança, convocado
para cantar os vossos louvores, escutar vossa Palavra e experimentar os vossos prodígios”.
Que os nossos corações entoem alegremente o canto novo.
Dom Paulo Francisco Machado
Bispo de Uberlândia