1ª Leitura – Is 62,1-5
Teria Deus abandonado sua esposa Jerusalém por causa da infidelidade do seu povo? Teria Deus anulado a aliança feita outrora com Judá? O abandono total em que Jerusalém estava no pós-exílio suscitava essas perguntas. Mas a resposta é não. Javé não abandonou Jerusalém. O profeta anônimo (o 3o Isaías) vai levantar o moral do povo. Nosso texto, de fato, é visto como um poema nupcial. Javé vai voltar. Ele saiu apenas para executar a justiça contra os que exploram seu povo. Ele não vai se calar, nem terá sossego enquanto a justiça de Jerusalém não brilhar como a aurora, e a salvação dela como um farol (v. 1). Reis e nações verão sua justiça e sua glória (v. 2). Todos alertarão que Javé está do lado dos sofredores e oprimidos. Com um amor e zelo de esposa, Jerusalém será uma coroa magnífica, um diadema real na mão do seu Deus (v. 3). Essas figuras poéticas traduzem a aparência de Jerusalém vista de longe. Seu nome será trocado de “Desolada” e “Abandonada” para “Minha Delícia” e “Desposada”. Estamos diante de expressões nupciais carregadas de afeto e ternura, pois o amor do Senhor é grande para com o seu povo (v. 4). O v. 5 aponta para as delícias da vida a dois, a doação mútua numa lua de mel para mostrar que o perdão do Senhor para com o seu povo é total e seu amor não perdeu o entusiasmo e o encanto do primeiro amor. O Senhor está apaixonado por Jerusalém e fará dela o seu encanto diário dentre todas as nações. Nosso relacionamento para com Deus carrega esta sensibilidade do amor de Deus para conosco?
2ª Leitura – 1Cor 12,4-11
Um dos inúmeros problemas da comunidade de Corinto era a questão dos carismas. A comunidade estava valorizando unicamente os carismas vistosos, que causavam impacto como falar em línguas, profetizar, fazer milagres. O importante para muitas comunidades estava sendo “aparecer” com seus dons extraordinários. Em 14,23 percebemos que havia um tumulto na assembleia, todos querendo falar em línguas ao mesmo tempo. O apóstolo fez uma crítica severa, dizendo que alguém de fora poderia achar que o grupo estava louco. Estamos diante de um reducionismo dos dons do Espírito, mas o Espírito é muito maior do que estes simples carismas e seus dons são incontáveis e ninguém pode limitar o Espírito de Deus. O Espírito distribui seus dons conforme sua própria vontade (v. 11), sem discriminação nem privilégios. Os vv. 4-6 dizem que o Espírito é o mesmo diante da diversidade dos dons, o Senhor é o mesmo diante da diversidade dos serviços, Deus é o mesmo diante dos diferentes modos de agir. Aqui, está afirmado que a fonte de tudo é a Trindade-Comunhão. Sem comunhão entre si e comunhão com a Igreja, o grupo carismático é uma mentira religiosa, um contratestemunho do Espírito. O elenco dos carismas é apresentado nos vv. 8-10 e a origem de todos é o mesmo Espírito. O v. 7 salienta a finalidade dos carismas: não é para aparecer, mas para utilidade (edificação cf. 14,5.12) de todos. Por fim, devemos observar que os carismas mais ambicionados pela comunidade são colocados em último lugar: a profecia no penúltimo e o dom das línguas em último, como mais insignificantes. Os grupos carismáticos de hoje também precisam saber disso, para não repetirem o erro dos coríntios, que estavam se agarrando ao supérfluo em detrimento do mais essencial. Além disso, esses dois dons, estão submetidos a outros dois carismas de controle: o discernimento dos espíritos para testar a autenticidade da profecia e o carisma da interpretação para que os dons das línguas não seja balbucio inútil, mas sim edificação para a comunidade.
Evangelho – Jo 2,1-11
Este episódio é muito rico e carregado de simbolismo. Jesus está substituindo a antiga aliança pela nova e eterna aliança. O relacionamento entre Deus e o povo de Israel era visto pelos profetas em termos de aliança matrimonial. Vamos fazer um rápido comentário. No 3o dia – expressão técnica que lembra a ressurreição de Jesus – equivale ao 6o dia da criação, onde o homem é criado. Com sua ressurreição Jesus refaz a criação (cf. Jo 20,22), para celebrar não mais no Sábado, mas nos domingos, (cf. Jo 20,19), a festa da nova e eterna aliança de Deus com os homens. “A mãe de Jesus estava lá”. O v. 6 diz que estavam lá também seis potes de pedra, representando a Antiga Aliança. A mãe de Jesus, portanto, simboliza o Antigo Israel, fiel a Deus. Ela pertencia àquele povo da antiga aliança, mas era o resto fiel que vai gerar a Nova Aliança em Jesus Cristo. Enquanto a mãe de Jesus estava lá, Jesus e os discípulos, que representam a Nova Aliança, foram convidados. “Faltou vinho” e a mãe de Jesus constata isso diante de Jesus. A falta de vinho significa que a Antiga Aliança estava chegando ao fim, estava sem sentido, não produzia mais alegria. Vamos perceber no v. 6 que os potes de pedra, que serviam para os ritos de purificação, também estavam vazios. Eles simbolizam a Aliança do Sinai feita em tábuas de pedra. Mas tudo agora é um vazio. O v. 4, onde Jesus chama sua mãe de “mulher”, mostra mais uma vez o caráter simbólico representativo da mãe de Jesus (cf. Jo 19,26). Jesus mostra à sua mãe que a Antiga Aliança não tem mais razão de ser. Ele vai inaugurar uma Nova Aliança, quando chegar a sua hora. A hora de Jesus se manifesta plenamente no momento da sua morte. Ali também sua glória e a glória do Pai serão plenamente manifestadas. A mãe de Jesus entende que o filho vai antecipar sua hora. Então, ela dá uma ordem aos que estavam servindo. A ordem é fazer o que Jesus mandar. Os serventes simbolizam os discípulos de Jesus, os convidados da Nova Aliança, aqueles que fazem a vontade de Jesus. A ordem de Jesus é encher de água os potes vazios. A ordem de Jesus é cumprida. Depois Jesus manda tirar e levar ao mestre-sala. Aqui está a maravilha: a água levada é transformada em vinho de ótima qualidade. Interessante! O milagre acontece fora dos potes (cf. v. 9). Isto significa que Jesus não vai remendar a Aliança Antiga, mas substituí-la. Ele traz uma aliança Nova em seu sangue. O vinho simboliza o sangue que será derramado na cruz, onde a Aliança Nova será consumada. Jesus substitui a Lei, dada por Moisés, pelo amor misericordioso, pela graça que ele mesmo traz. (“A Lei foi dada por meio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo” cf. 1,17). Para os profetas, quando viesse o Messias, haveria abundância de vinho. As seis talhas equivaliam mais ou menos a uns 600 litros de vinho. Isto significa que o Messias chegou mesmo, na pessoa de Jesus. Jesus é o esposo da Nova Aliança, do novo povo de Deus. O mestre-sala representa os dirigentes do povo; percebemos como eles estavam por fora da situação do povo. Eles não cuidavam mais das necessidades do povo. O povo estava carente e abandonado. Mais uma vez lembramos o fim da Aliança Antiga. Jesus começa assim seus sinais. O sinal maior do seu amor misericordioso será a morte na cruz (cf. 15,13). Aqui ele começa a manifestar a sua glória. Na cruz ele manifestará a plenitude da sua glória, atraindo muitos a si.
Dom Emanuel Messias de Oliveira
Bispo Emérito de Caratinga