A palavra “desapego” constitui uma temática provocante no contexto da cultura moderna, nesse atual tempo histórico, marcado profundamente pelo capitalismo liberal. A via econômica de hoje favorece o crescimento da desigualdade e discrepância na qualidade de vida das pessoas. Pode-se até dizer que, quanto mais tem, mais quer ter. O ter abafa o ser e deixa muita gente marcada pela pobreza.
A superação dessa realidade depende muito do processo de desapego, principalmente de uma riqueza acumulada de forma inútil, porque a pessoa não terá como consumi-la em seu tempo de vida. Por que não exercer o bonito exercício da partilha, que expressa desapego, aplicando um pouco em obras sociais? É justamente nesses gestos fraternos de partilha que está a grandeza da pessoa.
O desapego é uma virtude sábia e louvável, que pode trazer paz, alegria e contentamento para a pessoa, isto é, uma vida feliz. Entender a sabedoria divina significa lidar com os descompassos da história, com aqueles que ocasionam prática de coisas passageiras incapazes de projetar uma eternidade saudável. Nos ensinamentos do Evangelho isto está muito claro, porque Jesus incentiva o desapego.
Toda prática de desapego vem das intenções interiores do coração humano. Portanto, é uma virtude que começa em Deus, porque Ele está justamente no coração das pessoas. Dizendo isto podemos entender que o desapego significa fazer a vontade divina. A Palavra da Sagrada Escritura atinge e sensibiliza com profundidade a razão humana e provoca a sensibilidade do coração para o desapego.
No Evangelho Jesus apresenta, a um jovem, uma questão emblemática e radical: “Vai, vende tudo o que tens, dá aos pobres e segue-me” (Mc 10,21). Significa relativizar todas as coisas na terra para acolher o Reino de Deus. Nas guerras sentimos uma profunda insensibilidade em relação ao valor sagrado da pessoa humana. Há uma inversão de valores, privilegiando o egoísmo individual e vazio.
Não é fácil entender e colocar em prática o olhar amoroso e exigente de Deus, de compartilhar o estilo próprio de vida de Jesus, desapegado dos bens materiais. A riqueza material não consegue fazer a pessoa feliz e pode incapacitá-la para seguir o caminho de Jesus. É famosa a frase de Jesus: “É mais fácil passar um camelo no fundo de uma agulha do que um rico se salvar” (Mc 10,25).
Dom Paulo Mendes Peixoto
Arcebispo de Uberaba