Este é um convite em tom de convocação e advertência, do Papa Francisco, em mensagem por ocasião do Dia Mundial da Paz de 2016. Sabe-se que o berço da indiferença é o coração humano, onde também pode residir sentimentos que afrontam os mais necessitados de solidariedade. É preciso, pois, redobrar atenção ao que ocorre no mundo contemporâneo, para que este convite – supere a indiferença – seja acolhido e novo rumo possa ser dado à sociedade, a partir do dia a dia de cada cidadão, nos seus compromissos sociais, políticos, culturais e religiosos. Importante lembrar que o convite do Papa Francisco para superar a indiferença, se acolhido, pode levar à conquista da paz e da solidariedade – que é a cura para o veneno da indiferença.
A ausência de paz leva a prejuízos amargos e de todo tipo – inviabiliza o desenvolvimento integral, promove o adoecimento das pessoas e da sociedade, tornando distantes os ideais de bem-estar e de uma vida qualificada. E a paz não convive com a indiferença. O ponto de partida para se alcançar uma sociedade mais pacífica é lembrar: “Deus não é indiferente; importa-lhe a humanidade”. Essa afirmação do Papa Francisco precisa emoldurar o sentido da vida humana, que não pode ser substituído por outros sentidos. Reconhecer e priorizar o sentido da vida humana leva ao fortalecimento da fraternidade universal – esperança que precisa ser vetor de diferentes atitudes, para superar lacunas humanitárias muito graves. Há de se despertar e cultivar a consciência cidadã que leva a reconhecer: a paz é dom de Deus que precisa ser cultivado, permanentemente, em grandes projetos, mas também nos gestos simples, nas ações cordiais do cotidiano – cumprimentos, a oferta de uma ajuda, a partilha de uma palavra, a gentileza de se ceder um lugar.
A fé cristã ajuda a compreender sobre a importância do semelhante. Deve, pois, auxiliar o ser humano a enfrentar diferentes tipos de indiferença – que alimentam guerras, terrorismos, pobreza, abandono e a morte do espírito de solidariedade, causando desastres humanos e naturais, pesando especialmente sobre os ombros dos pobres e vulneráveis da terra. O mal da indiferença cria raízes de muitas formas, podendo ser cultivado por certa comodidade e até por interesses que afrontam o bem comum, na contramão da postura altruísta de se dedicar a projetos humanitários e culturais que garantam o bem coletivo. A indiferença enjaula o ser humano na mesquinhez, condenando-o a ficar preso apenas aos cálculos que almejam somente o acúmulo de seu próprio patrimônio. Uma ambição desmedida, que o faz buscar riquezas para além de suas necessidades, desconsiderando até mesmo que a própria trajetória encontrará o seu fim no desafiador fenômeno da morte.
Urgente é cultivar um coração humilde e compassivo, para se interessar e considerar como próprias as alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos semelhantes. Assim são encontradas as razões para o exercício da solidariedade. Cada pessoa é desafiada a se sensibilizar com o que ocorre nas periferias existenciais – dedicando atenção aos que convivem na sua própria casa, contexto religioso, no ambiente de trabalho e em outros campos de relacionamento social. Um caminho para potencializar, conforme lembra o Papa Francisco, a capacidade da civilização contemporânea de se dedicar aos mais fragilizados do planeta e de defender o bem comum. O Papa lembra que, na raiz da vocação humana fundamental à fraternidade e à vida comum, está a solidária corresponsabilidade.
Importa, pois, levar mais dignidade às relações interpessoais, buscando assumir compromissos que sejam contraponto à indiferença. É preciso curar os corações que não se interessam pelo que ocorre ao seu redor, que se esquivam com medo de deixar a própria
zona de conforto, que se deixam presidir pela soberba ou pela perversidade. Especialmente grave é a indiferença em relação a Deus, raiz para o descaso dedicado ao semelhante e à casa comum. A indiferença em relação a Deus ocorre quando o ser humano se julga autor de sua própria vida, tentando prescindir do Pai Criador. Ao desconsiderar Deus, o ser humano torna-se soberbo, acreditando que não precisa respeitar ninguém. Incapacita-se para enxergar os direitos de seus semelhantes. E a indiferença em relação ao semelhante promove todo tipo de injustiça, cria cegueiras para a importância do sentido da gratuidade e da solidariedade.
No mundo contemporâneo, todos recebem uma avalanche de informações, mas há grave carência de sentimentos humanitários. As consciências parecem anestesiadas pelo intenso fluxo informacional, incapazes de alcançar respostas para misérias e exclusões. Existem também aqueles que optam por manter-se distantes das informações que poderiam gerar incômodo, encastelando-se em uma mesquinha zona de conforto. É preciso reagir, pois a indiferença ameaça a paz. E não basta buscar aliviar a própria consciência com a participação em ações emergenciais. A interpelação é para combater a indiferença, reconhecendo-a e debelando-a com adequada sensibilidade social. Assim é possível ir além de ações assistencialistas, para alcançar atitudes efetivas capazes de levar a sociedade aos trilhos da justiça e do amor. O primeiro e decisivo passo é investir, seriamente, na conversão do próprio coração. Cada ser humano aceite ser protagonista desse importante processo de conversão, derrubando os muros da soberba, assumindo com coragem o compromisso de superar as mais variadas formas de indiferença.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte