O Papa Francisco brinda a humanidade com uma bonita mensagem sobre a relação entre a inteligência artificial e a paz. O texto, pelo 57º Dia Mundial da Paz, 1º de janeiro de 2024, é dirigido a todas as pessoas, com augúrios de paz. A interpelação do Papa é para que o progresso da ciência e da tecnologia contribua para edificar o caminho que leva à paz, especialmente neste tempo de tantas conturbações. A mensagem sublinha que a paz não é conquistada somente nas mesas de negociações, ou a partir de indispensáveis entendimentos humanísticos. A conquista da paz depende também dos âmbitos complexos e esperançosos relacionados ao desenvolvimento científico e tecnológico. O texto destaca um aspecto essencial ao lembrar o que diz a Sagrada Escritura: Deus deu aos homens e mulheres o seu Espírito a fim de terem “sabedoria, inteligência e capacidade para toda espécie de trabalho” (Ex 35,31). Há de se compreender que a inteligência, diz o Papa Francisco, é a expressão da dignidade humana dada pelo Criador – Deus fez o ser humano à sua imagem e semelhança, com a capacidade de tudo responder, pela liberdade e pelo conhecimento, a partir da força e da clarividência do amor.
O amor há de ser componente determinante da produção científica e tecnológica. Trata-se da força que permite à produção científica e tecnológica desenvolver todo o seu extraordinário potencial criativo. Assim, o ser humano é desafiado a emoldurar suas atividades e ações inventivas com o amor. Isto significa assumir que o primeiro propósito é a construção de uma civilização digna para toda a humanidade. O progresso científico e tecnológico deve ser sempre norteado pelo compromisso de contribuir, efetivamente, para uma melhor organização da sociedade, fundamentada nos parâmetros da justiça e da solidariedade. Os avanços técnico-científicos precisam levar ao aperfeiçoamento humano que é essencial à conquista da paz. Deve-se considerar também a necessidade de melhor compartilhar os benefícios alcançados com o desenvolvimento da técnica e da ciência, gerando equilíbrio social, muito necessário a uma sociedade pacífica.
O Papa Francisco aponta para os notáveis avanços das tecnologias da informação, especialmente na esfera digital. Esses avanços surgem como entusiasmantes oportunidades, mas também representam graves riscos, capazes de levar a sérias implicações no inegociável compromisso com a justiça e a harmonia entre os povos. O Pontífice apresenta algumas perguntas para inspirar reflexões: quais serão as consequências, a médio e longo prazo, das novas tecnologias digitais? E que impactos terão sobre a vida dos indivíduos e da sociedade, sobre a estabilidade e a paz? Neste horizonte, aparece forte a consideração criteriosa a respeito do futuro da inteligência artificial, suas possibilidades e riscos. A informática e os processos de digitalização estabelecem profundas transformações na vida social, com impactos em toda a humanidade. Em tom de advertência educativa, o Papa Francisco convida as pessoas a tomarem consciência sobre as transformações desencadeadas pela tecnologia digital, configurando novas feições nas comunicações, administração pública, processos educativos, relações de consumo, intercâmbios sociais e culturais.
De modo especial, o Papa Francisco sublinha um importante fenômeno na atual realidade fortemente marcada pela presença dos algoritmos: os vestígios digitais deixados na internet, que permitem a apropriação indevida de muitas informações a respeito das pessoas, tornam real a possibilidade de se controlar hábitos, modos de pensar e atitudes, simplesmente para o atendimento de interesses comerciais ou políticos. Essa apropriação indevida, conforme alerta o Papa, é ameaça à liberdade humana para se fazer escolhas. Há, pois, o risco de que as pessoas sejam manipuladas por quem se apropria de vestígios digitais presentes na internet. Por isso, deve-se sempre considerar que as conquistas científicas e tecnológicas não estão inscritas em uma área de neutralidade. Ao invés disso, estão sujeitas a muitas influências – podem estar em colisão com valores socioculturais de diferentes lugares. O avanço técnico e científico, assim, demanda uma necessária consideração ética de suas consequências.
Nesse horizonte, as diferentes formas de inteligência artificial, ainda sem definição unívoca do próprio campo técnico-científico, pedem uma imprescindível abordagem ética. A mensagem do Papa lembra que a expressão “inteligência artificial”, comum às muitas ciências, remete às máquinas que imitam a inteligência humana, ou seja, são formas de inteligência que escancaram o abismo existente entre sistemas poderosos e a própria existência humana. Deve-se, pois, considerar como são utilizados esses sistemas sociotécnicos, compreendendo, conforme orienta o Papa, que a “inteligência artificial” constitui uma galáxia de realidades diversas. O desenvolvimento dessas realidades não significa garantia de benefícios para o futuro da humanidade. Diz o Papa Francisco, em tom de convocação: as conquistas para a civilização somente serão possíveis se o desenvolvimento técnico-científico for acompanhado de respeito aos valores humanos fundamentais, a exemplo da inclusão, da transparência, da segurança, da equidade, da privacidade e da fiabilidade. O respeito aos valores humanos no desenvolvimento da ciência e da técnica é lúcida interpelação, um compromisso essencial para a promoção da paz.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte