1ª LEITURA – Dn 7,13-14
Enquanto Dn de 1º a 6º é um escrito narrativo, os capítulos 7º a 12 são escritos em linguagem apocalíptica. O capítulo 7º descreve a visão dos 4 animais terrificantes, que simbolizam os impérios que oprimem o povo de Deus: o império babilônico (um leão com asas de águia); o império medo (urso); o império persa (um leopardo com asas) e o império grego ou Alexandre Magno com seus sucessores (um animal diferente com dentes de ferro e dez chifres). Estes quatro animais representam Antíoco IV Epífanes (175-164 a.C.) do tempo de Daniel. Depois da descrição da visão dos 4 animais, temos a visão do Ancião, que se assenta no trono de fogo, servido por milhares e milhares de anjos. Ele preside o tribunal em favor do seu povo. Esse ancião é Deus. O v. 11 descreve a morte do 4º animal: Antíoco IV Epífanes, que impôs a cultura grega ao povo judeu, perseguiu e matou os que resistiam.
Os versículos de hoje descrevem a visão do Filho do Homem. É um personagem simbólico. O texto diz: “Entre as nuvens do céu vinha alguém semelhante a um filho do homem.” (v.13), quer dizer, é um homem e seu sentido é coletivo, simboliza os israelitas fiéis que nos versículos 18-22 são chamados de “Santos do Altíssimo”. Este “Filho do Homem” é conduzido à presença de Deus. A ideia não é de vinda, mas da ida em direção à presença de Deus, onde ele é entronizado com glória e domínio eterno (v. 14). Deus exalta assim seu povo, que foi pisoteado pelas nações, mas permaneceu fiel. Deus julga, assim, as nações prepotentes e entrega o reino eterno ao povo de Israel (cf. v. 27).
Com o tempo, do conceito de “reino” passou-se para o conceito de “rei”. O conceito coletivo de “Filho do Homem” passou a ser interpretado no sentido individual e ligado ao Messias que devia vir. Jesus atribui a si este título diversas vezes e fala da sua vinda sobre ou com as nuvens no fim dos tempos (cf. Mc 13,26; 14,62; Ap 1,7-13).
2ª LEITURA – Ap 1,5-8
Apocalipses surgem em tempos de perseguição. São escritos para mostrar que Deus dirige os acontecimentos e tem a vitória final da aparente derrota dos fiéis. É um escrito que tem o objetivo de trazer força, coragem e consolo para as comunidades perseguidas. O Apocalipse de João mostra que a vitória das comunidades perseguidas pelo Império Romano (tempo do imperador Domiciano) é antecipada na vitória de Cristo sobre a cruz. Ele reina e dirige a história para o seu final, vencendo todo o império do mal e glorificando o povo perseverante das comunidades.
A saudação inicial (vv. 4º a 5º) em linguagem simbólica vem da parte de Deus Pai, o Eterno, “Aquele que era, que é e que vem”, da parte do Espírito Santo (“os sete espíritos que estão diante do trono de Deus”) e da parte do Filho, Jesus Cristo. Segue-se agora a apresentação de Jesus e sua realeza.
Quem é Jesus? Jesus, aqui, é portador de três títulos: 1) Testemunha fiel; ele é modelo dos mártires, como testemunho da verdade segundo Jo 18,37). Primogênito dos mortos; é um grande conforto para o povo das comunidades perseguidas e obrigadas a prestar culto ao imperador que busca honras divinas. Tomando consciência das prerrogativas de Cristo, as comunidades se sentem mais encorajadas a resistir até à morte. Sabem que o martírio não será em vão.
O que Jesus fez? (vv. 5º a 6º)
1) Ele nos ama e está presente na vida das comunidades, como o Filho do Homem no meio dos sete candelabros que são as comunidades (cf. 1,12-13).
2) Ele nos ama e nos lavou dos nossos pecados com seu sangue.
3) Ele fez “de nós um reino de sacerdotes para seu Deus e Pai”. Como realeza temos, com o Cordeiro, de vencer os poderes absolutizados que oprimem e tiranizam os pequeninos do Reino. Como sacerdotes, participando pelo batismo do único sacerdócio de Cristo, temos que instaurar o reino de Deus na história.
Conclusão
O final do v. 6º é uma consciência das comunidades que não é ao imperador e governantes deste mundo, mas sim a Deus Pai e a seu Filho Jesus Cristo que são atribuídos “a glória e o império pelos séculos dos séculos. Amem”.
Ele vem para julgar e salvar
O v. 7º, inspirando-se em Dn 7,13-14, afirma que Jesus traz o julgamento para a história, ou seja, salvação para as comunidades que perseveram na fé e resistem aos opressores, e, ao mesmo tempo, castigo para os adversários do Reino.
O v. 8º descreve Deus Pai como princípio e fim; ele é o Senhor absoluto da história (Alfa e Ômega são a primeira e a última letra do alfabeto grego), como Eterno (cf. Ex 3,14) e como todo poderoso. Descrição semelhante é atribuída também a Jesus em 22,13. O v. 8º quer dizer que Jesus esteve, está e estará sempre presente na vida do seu povo como libertador e Senhor.
EVANGELHO – Jo 18,33b-37
João concentra o tema da realeza de Jesus no relato da paixão para deixar claro que tipo de rei é Jesus. Nem Pilatos nem os judeus são capazes de compreender a realeza ou o messianismo de Jesus. “Tu és o Rei dos judeus?” (v.33) Pilatos pergunta se Jesus é rei. Jesus chama Pilatos a uma responsabilidade: “Estás dizendo isso por ti mesmo, ou outros te disseram isso de mim?” Pilatos respondeu: “Teu povo e os sumos sacerdotes te entregaram a mim. “Que fizeste” (v. 35) O interesse de Pilatos concentra-se no que Jesus fez, por isso pergunta, “que fizeste?” Jesus, de fato, foi entregue a Pilatos, como sendo um malfeitor. Jesus não dá uma reposta direta a Pilatos. “O meu Reino não é deste mundo” (v. 36). Mas esta afirmação é de capital importância. Pois Jesus não se coloca como rival de Pilatos ou César. Seu reino não se baseia em força militar, em poder, em tirania, em injustiças e opressão como os reinos deste mundo. Aliás, enquanto os reis deste mundo se sustentam às custas da vida dos súditos, Jesus é rei exatamente porque dá a vida pelos seus. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Pilatos assustado pergunta: “Então tu és rei?” Jesus responde: “Tu dizes que eu sou rei”. E aqui Jesus explica a função de sua realeza. Ele nasceu e veio ao mundo para dar testemunho da verdade. Seu projeto é claro: dar testemunho da verdade, ou seja, da fidelidade plena de Deus às suas promessas de salvação. Deus prometeu vida e salvação para o seu povo e Jesus veio cumprir esta promessa, testemunhando a verdade do amor de Deus no alto da cruz. A última frase constitui o grande desafio para nós: “Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz,” ou seja, adere ao projeto de Jesus, segue-o como ovelha ao seu pastor, como discípulo ao seu mestre. O mestre mostrou sua realeza-serviço através da cruz-doação total. Cabe a nós o mesmo percurso.
Por: Dom Emanuel Messias de Oliveira
Bispo Emérito de Caratinga