A Igreja tendo à frente o Santo Padre, o Papa Francisco, está realizando um belíssimo processo sinodal e esse tem gerado muitas expectativas, na maioria muito positivas e em algumas pessoas negativas. Já foi realizada uma primeira etapa do Sínodo no ano de 2023 e agora aproxima-se a segunda etapa que vai acontecer no Vaticano nos dias 2 a 27 de outubro deste ano.
Viver em processo sinodal é viver em comunhão e isso significa que nem todos precisam estar lado a lado: alguns vão à frente, outros no meio e outros atrás, mas todos caminham numa mesma direção, tendo em vista a comunhão, a participação e a missão. Quem está atrás deve olhar para quem está mais à frente e vice-versa. Já deveria ter passado o tempo em que as pessoas se dividem por questões ideológicas, especialmente no âmbito eclesial. É bem verdade que estas questões ideológicas sempre existiram, inclusive entre os discípulos de Jesus. Todavia, nenhum deles se afastou da meta e do espírito de comunhão, a não ser aquele que não entendeu a proposta de salvação do Messias e não abandonou a sua ideologia pessoal de como esperava o cumprimento do Reino de Deus.
Vale dizer que o Divino Mestre ao chamar os discípulos, formou-os em um processo sinodal. Sempre que encontramos Jesus instruindo os seus discípulos, Ele o faz não de forma individual, mas sempre em comunidade. Ao enviá-los em missão, envia-os dois a dois.
A Igreja nascente, ao receber o Espírito Santo em Pentecostes, ganha a beleza de uma Igreja sinodal. As primeiras comunidades cristãs relatadas nos Atos dos Apóstolos vivem esta experiência sinodal de uma forma muito intensa, especialmente no cuidado com os mais necessitados. Diz o texto sagrado que a multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma (cf At 4,32). Está aí um grande projeto sinodal: “Ser um só coração e uma só alma”. Isso não significa que todos precisam pensar, viver, se comportar ou vestir da mesma forma, mas estar unidos em torno de um Mestre e levar vida para o mundo.
Desde que a Igreja surgiu, sempre houve necessidade de resolver questões que foram surgindo e isso não parou e chega até os nossos tempos. Os Concílios realizados na Igreja expressam com clareza a sinodalidade no desejo de resolver as questões pastorais e doutrinárias. O Concílio de Jerusalém realizado no início do cristianismo é uma expressão desta sinodalidade (Cf At 15).
A própria conjuntura estrutural da Igreja já expressa esta sinodalidade, organizada em Províncias Eclesiásticas sediadas nas Arquidioceses, em Dioceses e em Paróquias com suas redes de Comunidades. Nas Comunidades existem os Conselhos para os vários assuntos. Não se concebe mais uma Igreja sem os Conselhos Pastorais, Comunitários e Administrativos. O mesmo acontece nas Dioceses através dos Conselhos Presbiterais, Pastorais, de Consultores, de Formação Permanente tanto Presbiteral como Laical, de Administração e Economia e muitos outros que surgem de acordo com as necessidades.
A nomeação de um Bispo para uma diocese e sua Ordenação acontece em processo sinodal, já que os nomes são indicados à Nunciatura Apostólica e os Cristãos leigos e leigas, Bispos, Religiosos e Presbíteros são consultados quanto ao candidato. A palavra final cabe ao Papa. Uma vez nomeado, é preciso que o eleito
receba a Ordenação Episcopal ministrada por três Bispos Ordenantes, não só para garantir a sucessão Apostólica, mas também para expressar a comunhão episcopal e manifestar a sinodalidade com toda a Igreja.
Através do Sacramento do Batismo, a pessoa torna-se cristã e passa a pertencer à grande comunidade dos fiéis batizados. A partir deste Sacramento, inicia-se um caminho sinodal. Não é mais o indivíduo que caminha sozinho, mas ele é inserido num corpo eclesial, recebe graças e benefícios emanados deste corpo e, ao mesmo tempo, participa dando a sua contribuição de missão e testemunho.
Não podemos ter medo de realizarmos um caminho juntos na direção do Céu. A santidade de um ajuda o outro. O testemunho de um fortalece o outro. A solidariedade de um socorre a fraqueza e a fragilidade de outros. O caminho sinodal se faz constantemente e chega-se ao Céu participando da comunhão dos Santos com a Santíssima Trindade, expressão maior da sinodalidade.
Ao ensinar a oração do Pai Nosso aos seus discípulos, Jesus propõe um caminho sinodal tendo o Pai como centro ajudando-nos nas nossas necessidades e fortalecendo-nos em nossas fraquezas e tentações. Mas é Pai “Nosso” e não Pai “Meu”.
A Lumen Gentium do Concílio Vaticano II, ao traduzir a mais pura doutrina dogmática quanto ao sentido da Igreja no mundo, fala sobre o sentido da fé e dos carismas no povo cristão em seu parágrafo 12. Vale aqui ressaltar alguns trechos desta doutrina: “A totalidade dos fiéis que receberam a unção do Santo (cf Jo 2, 20.27), não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do povo todo, quando este, «desde os Bispos até ao último dos leigos fiéis», manifesta consenso universal em matéria de fé e costumes. Com este sentido da fé, que se desperta e sustenta pela ação do Espírito de verdade, o Povo de Deus, sob a direção do sagrado Magistério que fielmente acata, já não recebe simples palavra de homens mas a verdadeira palavra de Deus (cf 1Tess 2,13), adere indefectivelmente à fé uma vez confiada aos santos (cf Jd 3), penetra-a mais profundamente com juízo acertado e aplica-a mais totalmente na vida. Além disso, este mesmo Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos e ministérios e o adorna com virtudes, mas «distribuindo a cada um os seus dons como lhe apraz» (1Cor 12,11), distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja, segundo aquelas palavras: «a cada qual se concede a manifestação do Espírito em ordem ao bem comum» (1Cor 12,7). Estes carismas, quer sejam os mais elevados, quer também os mais simples e comuns, devem ser recebidos com ação de graças e consolação, por serem muito acomodados e úteis às necessidades da Igreja… e o juízo acerca da sua autenticidade e reto uso pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito mas julgar tudo e conservar o que é bom (cf 1Tess 5, 12)”.
E continuando no parágrafo 13, ao falar sobre a universalidade e catolicidade do único Povo de Deus, lembra-nos também que na comunhão eclesial existem legitimamente igrejas particulares com tradições próprias, sem detrimento do primado da cátedra de Pedro, que preside à universal assembleia da caridade, protege as legítimas diversidades e vigia para que as particularidades ajudem a unidade e de
forma alguma a prejudiquem, de modo que «cada um ponha ao serviço dos outros o dom que recebeu, como bons administradores da multiforme graça de Deus» (1Pe. 4,10).
Logicamente, há muitas divisões no mundo, a começar por aquelas divisões internas, dentro de cada um, bem como nas famílias e comunidades. Essas divisões estão presentes também na Igreja. Notamos isso na resistência que muitos batizados estão oferecendo a este caminho sinodal. A divisão é uma ferida que precisa ser curada e o remédio para curá-la é a sinodalidade. Resistir ao bom uso deste remédio é caminhar para o precipício e consequentemente para a morte. Não podemos optar pelo suicídio mas pela cura. Acolher a sinodalidade é fazer esta escolha segura e madura que conduz para a vida acreditando na palavra de Jesus que disse “eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Caminhemos juntos com alegria fé e esperança.
Dom Messias dos Reis Silveira
Bispo de Teófilo Otoni MG