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Mobilização verde

A mobilização da sociedade brasileira pela promoção da Campanha Junho Verde, além de óbvia ação político-cidadã, contempla uma indispensável dimensão de espiritualidade. A Campanha Junho Verde foi instituída por Lei Federal, demandando o envolvimento de todos, mesmo os que não creem, mas balizam a própria conduta em adequados parâmetros éticos. É preciso reconhecer que motivações espirituais também podem iluminar atitudes cidadãs, conferindo-lhes força peculiar, incidência transformadora. Essa força e incidência são especialmente necessárias no campo socioambiental, consideradas as urgências climáticas, as graves consequências sociais da exclusão, da pobreza e das discriminações que ferem o Brasil. As motivações que brotam da fé, respeitadas as escolhas cidadãs, têm uma força moral capaz de inspirar o exercício da cidadania de modo qualificado e independente. Importante sublinhar que a vivência da fé no âmbito político-cidadão não deve ferir autonomias e liberdades, mas enriquecê-las. Também no campo ecológico, a fé constitui luzeiro na contemplação dos laços indissociáveis que ligam o ser humano ao meio ambiente. Quem crê sabe que nenhuma criatura é dona plenipotenciária de parte alguma no conjunto da criação, porque a terra pertence a Deus.

A partir da sabedoria que brota da fé, o ser humano compreende que deve obedecer às leis, combatendo arbitrariedades e as costumeiras prepotências, justificadas e impulsionadas por inadequados entendimentos sobre o que significa desenvolvimento. Esses entendimentos inadequados são regidos por lógicas perversas e mesquinhas de lucros que esgotam a criação. Um olhar emoldurado pela fé permite enxergar que no conjunto da criação existem incontáveis e fantásticas manifestações da grandeza e da amorosa inteligência de Deus. Não cabe, pois, à página espiritual do ser humano, nenhum desatino de depredação e de uso prepotente de qualquer bem do planeta, principalmente quando se reconhece que tudo, no conjunto da criação, está interligado. Essa radical e incontestável interdependência, quando desrespeitada, ocasiona prejuízos a todos, especialmente aos pobres e deserdados da Terra.

A espiritualidade cristã é enriquecida com a referência de Jesus, mestre e senhor, sempre em contato com a natureza, ressaltando a sua beleza, inspirando gestos de apreço e respeito incondicional à criação de Deus. Os discípulos de Jesus aprenderam com o Mestre os códigos da contemplação. Descobriam, nas criaturas todas, além de sua riqueza natural, uma dimensão sobrenatural, aprendida da plenitude de Cristo Ressuscitado. O universo, portanto, não é objeto de exploração até o seu esgotamento. Ao invés disso, é revestido de detalhes que enchem e enriquecem os olhos voltados à contemplação, oferecendo um manancial de lições que equilibram a vida na racionalidade e em uma sensibilidade que não permite manipulações. A contemplação do universo, com os olhos sensibilizados pela fé, contribui para superar paradigmas que arrasam, em nome de lucros e de desenvolvimentos equivocados, os bens da criação. A adequada vivência da espiritualidade tem força para fecundar a racionalidade humana, não permitindo os atuais e costumeiros descalabros no tratamento da casa comum.

E a dimensão espiritual permite alcançar o mistério que está em cada criatura, até mesmo em uma simples folha, no orvalho, no rosto do pobre, fazendo brotar uma

sabedoria que não está em livros, mas no amor revelado na criação de Deus. A fé corrige insolências, evitando os disparates contemporâneos, superando incompetências governamentais e cidadãs na implementação, por exemplo, de tratados e compromissos ambientais. Fica evidente que a vontade política precisa deixar-se iluminar pela dimensão espiritual para alcançar a competência humanística indispensável à promoção de um viver mais equilibrado na casa comum. O Papa Francisco, na Carta Apostólica Laudate Deum, sublinha a importância de se caminhar em comunhão e com responsabilidade, partindo do princípio de que Deus uniu todas criaturas. Contesta a hegemonia do paradigma tecnocrático que ilude – faz o ser humano acreditar que pode viver, de modo separado, daquilo que o rodeia.

A espiritualidade cristã reconhece e defende o valor peculiar e central do ser humano no meio do maravilhoso concerto de todos os seres. Mas, conforme bem sublinha o Papa Francisco, a vida humana não pode ser compreendida, ou se sustentar, sem as outras criaturas. Não se pode tratar parte das criaturas, desconsiderando todas as outras, sob pena de perdas prejudiciais para o conjunto de seres vivos. Todas as criaturas formam uma grande família que lógica alguma pode retalhar. Essa verdade estabelece o desafio de serem alcançadas novas posturas, lógicas e adequadas legislações, atualizadas, sem estreitamentos provocados pelos interesses individuais ou de pequenos grupos privilegiados. Esse desafio deve ser respondido a partir do sentido sagrado que vem da união de todas as criaturas no mesmo mundo, compreendendo que o ser humano não é autônomo, onipotente e ilimitado.

O Papa Francisco convida a se fazer um caminho de reconciliação com a casa comum, hospedagem de todos, cultivando valores essenciais a uma vida cidadã exemplar, capaz de inspirar decisões adequadamente relevantes. Neste propósito, as mudanças virão com novos hábitos pessoais, familiares e comunitários que estejam na contramão das atitudes dos predadores da natureza. A sociedade tem decisiva e inadiável participação nos grandes processos de mudança que são fundamentais para garantir a continuidade da vida na casa comum – mobilizações verdes, com espiritualidade, para curar o ser humano do desatino de querer tomar o lugar de Deus.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte

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